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Empreendedoras indígenas resgatam memória coletiva dos povos originários através de artefatos

Memorial Rondon em Porto Velho é cenário de vendas de produtos que preservam práticas culturais. Visitas podem acontecer de terça-feira a domingo, das 10h às 16h.


Por Loide Gonçalves


Na foto, da esquerda para a direita, Neuza Karitiana e Márcia Karitiana em frente aos artesanatos vendidos no Memorial Rondon em Porto Velho. / Reprodução: Loide Gonçalves/SIC
Na foto, da esquerda para a direita, Neuza Karitiana e Márcia Karitiana em frente aos artesanatos vendidos no Memorial Rondon em Porto Velho. / Reprodução: Loide Gonçalves/SIC

Resistência e amor pela terra. São com essas “matérias-primas” que Márcia e Neuza, ambas da comunidade indígena Karitiana, vendem artefatos culturais no Memorial Rondon em Porto Velho há cerca de um ano. Mas a história dessas mulheres com os produtos vendidos por elas começou muito antes disso.


Marcia Karitiana, de 42 anos, e Neuza Karitiana, de 35 anos, aprenderam a confeccionar os artesanatos ainda na infância, algo comum na aldeia em que cresceram. “Desde criança, eu aprendi a fazer artesanato com minha mãe. As mulheres Karitianas mexem com artesanatos e os homens mexem com arco e flecha. Nosso artesanato vem da natureza”, explicam.


Em seus expositores, há uma ampla variedade de produtos, como cordões, maracás, brincos, adornos e pulseiras. Márcia avisa: “Todo nosso artesanato tem significado e é por isso que nós gostamos de trabalhar com ele. Tem semente, madeira, palha, cipó…”. Muito além da beleza, a conexão com a natureza, mesmo estando no contexto urbano, é evidenciada através da sabedoria ancestral.



Artefatos expostos no Memorial Rondon em maio de 2024. / Reprodução: Loide Gonçalves/SIC

Dois lados da mesma moeda

O protagonismo das mulheres indígenas neste âmbito colabora com o turismo ecológico de Rondônia e também com o resgate e preservação da cultura originária. Mesmo assim, para essas mulheres a venda dos artefatos também é pela sobrevivência.


“A gente não está aqui porque a gente quer ficar aqui na cidade, a gente está aqui para vender, para ter uma renda financeira. Eu não moro aqui na cidade. Eu moro na aldeia”,

conta Neuza enquanto Márcia Karitiana diz que só consegue ir na sua comunidade de seis em seis meses, para buscar matéria-prima para repor o estoque de produção.

“A gente passa muita dificuldade hoje, as vendas ajudam a gente. Eu sobrevivo com isso. Não deixa faltar nada dentro de casa”, conta.


Quem também explica sobre esse contexto é Márcia Mura, uma educadora, escritora e pesquisadora. “Essa demanda de produção de artefatos, que passou a ser chamada de artesanato, veio com a necessidade de geração de renda e para atender demandas não indígenas, mas que também passaram a ser maneiras de circulação e trocas culturais”.


Segundo a pesquisadora, “as mulheres que se encontram na cidade vendendo seus artefatos culturais, são mulheres que, por algum motivo, precisaram sair de seus territórios e vivem com suas famílias em contexto urbano”. Nesse contexto, ela também diz que “nem todas têm espaços dignos na cidade para mostrar e vender suas artes”.


A Terra Indígena Karitiana fica localizada nos vales dos rios Candeias, Jamari e Jaci-Paraná. De acordo com a Associação do Povo Indígena Karitiana (Apok Pytim Adnipa), a população, no ano de 2021, era de cerca de 450 pessoas distribuídas em sete aldeias.


Na língua materna, classificada como pertencente à família Arikém que é parte do tronco linguístico Tupi, Márcia Karitiana leva o nome de Dysonoma e Neuza Karitiana é conhecida como Dypeweka.


A luta continua

Ainda que o Memorial Rondon possa ser considerado uma conquista por possuir um espaço destinado aos povos originários, Porto Velho, segundo Márcia Mura, poderia alcançar outros lugares.


“Nossa reivindicação é que haja um espaço cultural com arquiteturas indígenas lá dentro da área da Ferrovia Madeira Mamoré [outro ponto turístico da capital rondoniense], onde cada povo pudesse manifestar sua cultura com apresentações culturais e venda de produtos culturais”, explica.


A pesquisadora também levanta outras questões. “É muito importante que haja projetos que garantam formação específica para o empreendedorismo indígena, de forma que esse produto seja valorizado no conjunto dos saberes de cada Povo e que, de fato, as empreendedoras possam ter condições de fazerem seus negócios com autonomia”, finaliza.



Vários espaços do Memorial Rondon localizado em Porto Velho. / Reprodução: Loide Gonçalves/SIC

Conheça o espaço

O estado de Rondônia leva esse nome em homenagem ao Marechal Cândido Rondon. Ele foi um engenheiro militar descendente de indígenas, que foi responsável pelo sistema de telégrafos no Vale do Guaporé. O “Patrono das Comunicações” influenciou diretamente no povoamento da região em uma época que os demais priorizavam a ocupação em terras litorâneas.


O Memorial Rondon está localizado na Estrada de Santo Antônio, 4863, bairro Militar. A população pode visitar o memorial de terça-feira a domingo, das 10h às 16h.


Segundo o Sargento Antero da Trindade, administrador do local, o memorial é uma parceria da Secretaria Estadual de Turismo (Setur) e da 17ª Brigada de Infantaria de Selva do Exército Brasileiro. “O espaço Memorial Rondon é uma grande valia para o nosso estado, para o nosso turismo. A gente recebe aqui muitas pessoas por dia. Recebemos alunos de escolas municipais, de escolas estaduais… Recebemos aqui a Unir (Universidade Federal de Rondônia), recebemos aqui turistas do mundo todo. Mais de 50 países já visitaram nosso Memorial Rondon. Já passamos de mais de 124 mil pessoas nesses oito anos de existência”, conta.


No local, a comunidade tem acesso a um centro de documentação, exposições e também a recriação de cenários históricos. Em uma das salas, um filme de seis minutos é veiculado para contar a história do Marechal e das linhas telegráficas. Além disso, mais de 400 peças do acervo histórico são disponibilizadas para a população conhecer.


O administrador conta: “os turistas quando vêm ficam encantados com os artesanatos das etnias indígenas e levam para a terra natal deles. Muitas pessoas levam para o exterior. Para nós, isso é muito importante, pois eleva o nome do estado de Rondônia no Brasil e no mundo”.

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